Abre-se um jornal. Crise. Vê-se TV. Crise. Vai-se à Internet. Crise. Vai-se a um hotel fazer uma marcação para uma reserva. Já não há vagas.

É de facto paradoxal que a crise instalada não abrande muito o consumo. Dá-me a impressão que as pessoas sabem muito bem queixar-se.

Ai isto! Ai aquilo! Vamos fazer um fim de semana prolongado? Ai... Espera, para isso tenho ali uma poupança. Ou então podemos simplesmente pedir emprestado, a quem quer de seja, vamos e pagamos depois, com um dinheiro que eu prevejo ganhar na Árvore das Patacas.

A verdade é que, por todo o lado, continuam a ser
construídos centros comerciais, que são verdadeiros paraísos do consumismo. Se há uma contracção no consumo, é de prever que haja uma contracção na oferta. Penso que, logicamente, se há menos consumo, nem todas as marcas vão conseguir vender. Mas bem, Portugal é algo de paradoxal. Porque em Portugal continua-se a gastar muito dinheiro em coisas supérfluas.

Portanto, havendo menos dinheiro era de
supor que houvessem menos pessoas a encher hotéis a cada fim de semana prolongado. Mas o que é certo, pelo menos em relação aos hotéis que eu conheço, é que estão cheios, ou quase. Não consigo encontrar explicação para isso.

Penso que em Portugal há uma acomodação das classes. Onde as pessoas têm e querem mais, contudo parece-me que, pelo menos em relação ao estado, isso está estrangular a gestão de dinheiro de Portugal. Senão veja-se este caso.

Para ser mais cómico vou colar aqui parte da notícia

"Magistrados vão ficar sem subsídio de renda

Juízes e procuradores que residam na área da comarca ficam sem o complemento de ordenado. Para os que moram fora, o Governo quer reduzir verba em 20%. O actual valor do subsídio é um pouco mais de 700 euros/mês"

Portanto. A notícia em si é escrita de uma maneira bastante estúpida. A começar pelo título que induz qualquer um em erro. Pois não são todos os magistrados. E depois eu no meu trabalho não recebo subsídio de renda. Tal como a esmagadora maioria dos trabalhadores.
Neste caso é, de certa forma, bom que o Estado dê um subsídio de renda para quem tem de mudar de residência para exercer a profissão. Mas 700€ dá para alugar dois apartamentos, ou um excelente
apartamento. Ainda sobra dinheiro para pagar água, luz, telefone etc. Serviços que todos os portugueses são obrigados a pagar do seu bolso. Mas como a notícia diz, o subsídio é de apenas 700€. Coitados. Para além de ganharem salários superiores a 2000€ (em início de carreira) é muito pouco. Não sei como conseguem viver.

Sendo a redução de 20%, o subsidio ficará perto de 550€. Não é nada. Isso para um
juíz nem dá para comprar um pão. Pelo menos segundo os juízes, que já planeiam formas de luta. O que eu na minha opinião acho bastante ridículo. Ah, e na reforma eles continuam a receber o subsídio.

A crise de Portugal, e respondendo à pergunta do título do
Post, está nas classes que agem corporativamente. Que não deixam que qualquer reforma vá avante. Porque mexe nos seus direitos adquiridos, apesar de absurdos (como o caso deste subsídio). O Estado deveria ser mais autoritário. O que tem de ser, tem de ser e ponto final. Obviamente, cabe às pessoas defenderem-se quando as medidas forem injustas. Porém, o Estado tem que poupar nas suas próprias despesas. E se isso implica diminuição de certos serviços, tem obrigatoriamente de implicar uma rentabilização de recursos. Há gente a mais em certos sítios e gente a menos noutros. E o Estado não pode mover essas pessoas, porque elas se recusam. Então contrata-se mais. Sem necessidade absolutamente nenhuma. O Estado não devia permitir esse tipo de coisas. Eu se tenho uma empresa movo as pessoas consoante me dá mais jeito. Claro que não vou tirar alguém do Algarve e colocar essa pessoa em Valença do Minho, a não ser que ela queira. Mas há quem vá de Coimbra para o Porto, do Porto para Lisboa etc etc. Contudo o nosso Estado não pode fazer isso. Ou melhor, pode, mas se o fizesse o país parava com a indignação dos funcionários públicos.

Às vezes a minha mãe conta-me que nos anos setenta, quando os trabalhadores dos
têxteis iam reivindicar pelas péssimas condições de trabalho e salariais, os trabalhadores da função pública respondiam acusando os manifestantes (trabalhadores do sector privado) de serem comunistas e reaccionários. Só que na altura lutava-se por algo justo. Agora luta-se apenas pela irracionalidade de querer ter sempre o mesmo ou mais e não abdicar de nada. Por muito estúpido que possa ser.

Enfim. A crise em Portugal, está no corporativismo. Quando se ataca os
juízes, os professores aplaudem, quando se ataca os professores, os médicos aplaudem, quando se ataca os enfermeiros, os juízes aplaudem e por ai fora. É a política de olhar para o nosso umbigo, que enquanto não acabar coloca Portugal num ciclo muito vicioso e muito pouco eficiente.

Portanto, não venham afirmar que o problema está nas governações que nos últimos 20 anos têm sido todas iguais, com o Estado a não ter autoridade nos seus agentes e não
rentabilizando os recursos humanos que tem, essencialmente. O problema está aí. Enquanto o Estado não se rentabilizar a si própria vai consumir tudo o que está à volta.
E também não venham dizer que é preciso cortar nos serviços sociais. Alguns é, mas a maior parte pode ser mantida. O Estado Português, gasta 8% do produto interno bruto em Educação e outro tanto em Saúde. E ambos funcionam mal. Há países na Europa em que funciona bem e gastam apenas 8% no total das duas coisas.

Concluindo. Há mais de 10 anos que a política e a comunicação social estão a atirar areia aos olhos dos portugueses dizendo que a governação é má. Porque quem está lá é que tem de lidar com o estado das coisas e tomar as decisões e, segundo esse ponto de vista, vais estar sempre mal, mesmo que as decisões fossem à
raíz do problema. O que interessa é criticar e deitar abaixo para que o próximo seja outro partido que vai fazer o mesmo, porque não pode fazer diferente.