Olá caros leitores, já há muito que não vos escrevia. Mas bem, cá estamos.
Nos últimos dias, várias notícias têm surgido acerca do futuro da RTP.
Fala-se de que será concessionada, de que encerrarão a RTP 2 etc etc. Vejam as notícias.
Para mim, neste momento, colocam-se duas questões hipócritas essenciais. Uma velha e outra nova.
A velha hipocrisia.
A RTP é a televisão do estado. É a televisão que serve o propósito do chamado serviço público. Tal como a BBC o faz em Inglaterra, por exemplo.
Um dos problemas com sucessivos governos, principalmente desde a aparição dos canais independentes, é a tentativa, ou falta dela, de definir o que é o serviço público. Afinal qual é o espectro do serviço público de televisão? Acho que nem o primeiro ministro saberia dar uma resposta a isto com claridade, e este é um problema essencial para resolver o"problema" da RTP. Contudo, isso nunca foi definido. Será que serviço público é passar documentários e instruir? Divulgar o país através de talk-shows e programas de viagens? Garantir o acesso da população à informação? Garantir entretenimento? Será que é procurar as maiores audiências possíveis? Será que é preservar a memória?
Ninguém sabe e a expressão "serviço público", no caso da RTP, não é mais que um chavão incipiente e sem expressividade.
Aqui está o grande problema que mina tudo o resto que se possa tentar fazer na RTP. Se não sabemos o que deve a RTP fazer como é que é possível exigir que tal seja feito? Entregando às direcções a decisão sobre o que constitui serviço publico e o que não constitui? Não é a opção certa, por razões lógicas de coerência.
O serviço público que a RTP presta, ou prestaria, devia estar definido na sua essência desde a sua fundação e ajustado à realidade dos tempos de forma progressiva. Obviamente hoje em dia não é preciso que a RTP produza novelas, dada a produção prolífica de novelas portuguesas e brasileiras que existe. Da mesma forma que se calhar era necessário que o serviço público garantisse um acesso melhor às modalidades desportivas que, hoje em dia, são monopolizadas por canais por cabo, muitas vezes codificados e de preços mais altos.
Nunca seria concebível o que aconteceu, por exemplo, com o programa 5 pra meia noite. Começou na 2 de forma interessante e foi ganhando audiências, acabando por se tornar num espectáculo pedantóide vocacionado para cativar a juventude amarfanhada portuguesa. Agora passou para a RTP 1 numa mostra clara de que o serviço público e os objectivos de cada canal estão horrivelmente mal definidos. Afinal, o que se pode depreender deste caso em concreto, é que a RTP 2 não passa de uma equipa B onde se o programa tem sucesso passa para a equipa A. Isto é uma estupidez.
Após a definição do que é o serviço público de televisão e aquilo que ele deve compreender haveriam duas atitudes a tomar.
A primeira seria aplicar esse princípio em toda as vertentes dos canais que a RTP dispõe. Misturando ou individualizando as características de cada um.
A segunda era tomar a decisão de que, sendo um serviço público inequívoco, a RTP nunca visaria ter lucro ou sucesso no mercado de audiências.
E o problema reside sempre na definição de serviço público. Se a RTP tivesse esse conceito definido nem sequer seria possível estarmos a argumentar o facto da RTP dar prejuízo. Ou não serão os tribunais também serviço público? E estes devem dar lucro? É essa a sua função? E os hospitais? Obviamente que não. O serviço público é algo que nós, portugueses contribuintes, financiamos. Não deve dar lucro (embora se desse lucro, tanto melhor). A partir desse financiamento os serviços apenas têm de funcionar de maneira clara e eficiente.
Como a RTP não tem o seu conceito definido vive entre a indefinição de ser um canal generalista normal (no caso da RTP 1) ou ser um canal público com conteúdos de pouco potencial em termos de negócio.
Esta é a velha hipocrisia de esperar que a RTP, instituição, por si só, resolva os seus problemas. O governo (este e outros) já há muito deveria ter definido tudo isso e ter deixado claro qual o papel da televisão enquanto um serviço do estado. Teriam sido poupados milhares (quiçá milhões) de euros em programação que nem sequer se sabia muito bem que propósito serviria.
Agora iremos assistir (eventualmente, porque ainda nada é oficial) à concessão de um canal cujo objectivo nem sequer é claro. Que irão fazer os exploradores da concessão se nem sequer sabem para que serve o canal?
A nova hipocrisia vem do povo, naturalmente. Se a culpa da RTP não ser uma estação pública, praticamente, intocável é do governo, a reacção do povo em relação às notícias de fim da RTP 2 e concessão da RTP 1 é nada mais do que exagerada e hipócrita.
Em Fevereiro de 2012 a audiência da RTP2 foi de 3.5% como podem ver neste link da Marktest.
Ainda hoje me dei ao trabalho de fazer uma, vá lá, observação pelo facebook para encontrar muita gente a manifestar-se frontalmente contra a extinção da RTP2. Tanta gente que me faz, seriamente, duvidar das estatísticas porque é impossível que a RTP2 tenha tão poucas audiências quando tanta gente quer ver.
A 2 é um canal que passa à semana, nada mais, nada menos, do que 9 horas de programação infantil através do segmento Zig Zag. Portanto podemos, de certa forma, obviamente, assumir que a 1.5% +/- da audiência da RTP2 são crianças. Depois são transmitidas uma série de séries (peço desculpa pela redundância) que são da qualidade mas que pecam por já terem sido transmitidas no cabo. Têm as habituais notícias com um telejornal de 30 minutos muito mais objectivo e eficaz do que os mamarrachos de uma hora e de hora e meia dos canais generalistas. Tem os habituais programas sobre cultura do género Câmara Clara e tem o espaço reservado a pequenos produtores de tv de mercados específicos. Os religiosos, canal da Universidade, que é tão amador que até dá dó e os programas destinados a divulgar causas africanas, causas ambientais e causas civis. Ao fim de semana um monte de desporto durante a tarde, que na verdade ninguém que saber, salvo alguns aficionados de uma modalidade específica.
Portanto, há para ver muita coisa, mas, em suma, não é o que as pessoas querem ver. Contudo toda a gente está preocupada com o desaparecimento da RTP 2, porque bem, não vêem mas quem sabe um dia pode apetecer-lhes e irem lá dar um salto, ou porque é mais um canal disponível para o zapping tornando-o mais longo.
Quanto à RTP1 também não compreendo a indignação. Maior parte das pessoas queixam-se dos prejuízos e que é só gente a "mamar" à nossa pala. Pois bem, vai ser concessionada e com isso reduz-se o dinheiro que o contribuinte vai dar para a RTP1, só que também, provavelmente, vão-se acabar aqueles programas de cultura geral após o telejornal, que muita gente gosta de ver e que eu até acho instrutivos, mas que na verdade são obsoletos. Vai-se acabar o Preço Certo e o Fernando Mendes será uma memória perdida no universo televisivo. Provavelmente acabar-se-ão os programas amigáveis dos velhinhos que os ocupam parte da manhã e parte da tarde. Quem sabe acaba-se o Portugal em Directo (antigo Regiões) e as regiões desfavorecidas perdem mais um canal de comunicação com o resto do país. Tudo porque nem sequer se sabe se isso serve o serviço público, pois esse chavão é deixado ao abandono da interpretação individual.
E a interpretação individual em Portugal (e tipicamente portuguesa) é a seguinte.
Quando surgem notícias de prejuízo "é só cabrões a mamar". Quando surge a possibilidade de perderem a estação "Ai Nosso Senhor Jesus Cristo". E ainda nem sequer viram no que se tornará a RTP1.
Em suma. Este assunto é mais um caso em que se mostra a típica mentalidade portuguesa. Deixa andar. Não se olhem aos problemas essenciais da situação que as coisas se resolvem. Mais não seja às três pancadas.
Por outro lado a visão do povo que não quer saber e critica, não sabe bem o quê, mas critica. E depois vem a solução que não gostam ou que não parece bem e ficam perturbados.
A minha opinião é, há muito, a mesma. É estúpido afirmar que é possível garantir um serviço público concessionando o mesmo a um privado. Se os gestores que a RTP teve (que são comuns aos canais privados, diga-se) não fizeram o milagre de pôr a coisa a dar lucro (que nem devia ser o objectivo, mais uma vez) porque é que o haveriam de conseguir fazer agora? A resposta é simples, quem garantir a concessão vai procurar obter retorno do investimento que fez e não vai poder ficar estrangulado por normas vagas para definir os serviços que devem ser prestados. Se assim for, apenas acontecerá que quem o fizer irá fazer um mau investimento e ainda acaba o estado a ter que indemnizar o explorador da concessão, pois não foram concretizados lucros.
Desta forma o espectro televisivo público devia de permanecer sob alçada do estado. Simplesmente estabeleça-se o que é o serviço público televisivo de forma clara. Definam-se os papéis de cada uma das estações (as do sinal aberto e as do cabo) e apliquem-se. E entenda-se de uma vez por todas que a RTP deve funcionar sem se preocupar com lucros preocupando-se apenas com eficiência e qualidade dos seus conteúdos.
Links para notícias aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
Nos últimos dias, várias notícias têm surgido acerca do futuro da RTP.
Fala-se de que será concessionada, de que encerrarão a RTP 2 etc etc. Vejam as notícias.
Para mim, neste momento, colocam-se duas questões hipócritas essenciais. Uma velha e outra nova.
A velha hipocrisia.
A RTP é a televisão do estado. É a televisão que serve o propósito do chamado serviço público. Tal como a BBC o faz em Inglaterra, por exemplo.
Um dos problemas com sucessivos governos, principalmente desde a aparição dos canais independentes, é a tentativa, ou falta dela, de definir o que é o serviço público. Afinal qual é o espectro do serviço público de televisão? Acho que nem o primeiro ministro saberia dar uma resposta a isto com claridade, e este é um problema essencial para resolver o"problema" da RTP. Contudo, isso nunca foi definido. Será que serviço público é passar documentários e instruir? Divulgar o país através de talk-shows e programas de viagens? Garantir o acesso da população à informação? Garantir entretenimento? Será que é procurar as maiores audiências possíveis? Será que é preservar a memória?
Ninguém sabe e a expressão "serviço público", no caso da RTP, não é mais que um chavão incipiente e sem expressividade.
Aqui está o grande problema que mina tudo o resto que se possa tentar fazer na RTP. Se não sabemos o que deve a RTP fazer como é que é possível exigir que tal seja feito? Entregando às direcções a decisão sobre o que constitui serviço publico e o que não constitui? Não é a opção certa, por razões lógicas de coerência.
O serviço público que a RTP presta, ou prestaria, devia estar definido na sua essência desde a sua fundação e ajustado à realidade dos tempos de forma progressiva. Obviamente hoje em dia não é preciso que a RTP produza novelas, dada a produção prolífica de novelas portuguesas e brasileiras que existe. Da mesma forma que se calhar era necessário que o serviço público garantisse um acesso melhor às modalidades desportivas que, hoje em dia, são monopolizadas por canais por cabo, muitas vezes codificados e de preços mais altos.
Nunca seria concebível o que aconteceu, por exemplo, com o programa 5 pra meia noite. Começou na 2 de forma interessante e foi ganhando audiências, acabando por se tornar num espectáculo pedantóide vocacionado para cativar a juventude amarfanhada portuguesa. Agora passou para a RTP 1 numa mostra clara de que o serviço público e os objectivos de cada canal estão horrivelmente mal definidos. Afinal, o que se pode depreender deste caso em concreto, é que a RTP 2 não passa de uma equipa B onde se o programa tem sucesso passa para a equipa A. Isto é uma estupidez.
Após a definição do que é o serviço público de televisão e aquilo que ele deve compreender haveriam duas atitudes a tomar.
A primeira seria aplicar esse princípio em toda as vertentes dos canais que a RTP dispõe. Misturando ou individualizando as características de cada um.
A segunda era tomar a decisão de que, sendo um serviço público inequívoco, a RTP nunca visaria ter lucro ou sucesso no mercado de audiências.
E o problema reside sempre na definição de serviço público. Se a RTP tivesse esse conceito definido nem sequer seria possível estarmos a argumentar o facto da RTP dar prejuízo. Ou não serão os tribunais também serviço público? E estes devem dar lucro? É essa a sua função? E os hospitais? Obviamente que não. O serviço público é algo que nós, portugueses contribuintes, financiamos. Não deve dar lucro (embora se desse lucro, tanto melhor). A partir desse financiamento os serviços apenas têm de funcionar de maneira clara e eficiente.
Como a RTP não tem o seu conceito definido vive entre a indefinição de ser um canal generalista normal (no caso da RTP 1) ou ser um canal público com conteúdos de pouco potencial em termos de negócio.
Esta é a velha hipocrisia de esperar que a RTP, instituição, por si só, resolva os seus problemas. O governo (este e outros) já há muito deveria ter definido tudo isso e ter deixado claro qual o papel da televisão enquanto um serviço do estado. Teriam sido poupados milhares (quiçá milhões) de euros em programação que nem sequer se sabia muito bem que propósito serviria.
Agora iremos assistir (eventualmente, porque ainda nada é oficial) à concessão de um canal cujo objectivo nem sequer é claro. Que irão fazer os exploradores da concessão se nem sequer sabem para que serve o canal?
A nova hipocrisia vem do povo, naturalmente. Se a culpa da RTP não ser uma estação pública, praticamente, intocável é do governo, a reacção do povo em relação às notícias de fim da RTP 2 e concessão da RTP 1 é nada mais do que exagerada e hipócrita.
Em Fevereiro de 2012 a audiência da RTP2 foi de 3.5% como podem ver neste link da Marktest.
Ainda hoje me dei ao trabalho de fazer uma, vá lá, observação pelo facebook para encontrar muita gente a manifestar-se frontalmente contra a extinção da RTP2. Tanta gente que me faz, seriamente, duvidar das estatísticas porque é impossível que a RTP2 tenha tão poucas audiências quando tanta gente quer ver.
A 2 é um canal que passa à semana, nada mais, nada menos, do que 9 horas de programação infantil através do segmento Zig Zag. Portanto podemos, de certa forma, obviamente, assumir que a 1.5% +/- da audiência da RTP2 são crianças. Depois são transmitidas uma série de séries (peço desculpa pela redundância) que são da qualidade mas que pecam por já terem sido transmitidas no cabo. Têm as habituais notícias com um telejornal de 30 minutos muito mais objectivo e eficaz do que os mamarrachos de uma hora e de hora e meia dos canais generalistas. Tem os habituais programas sobre cultura do género Câmara Clara e tem o espaço reservado a pequenos produtores de tv de mercados específicos. Os religiosos, canal da Universidade, que é tão amador que até dá dó e os programas destinados a divulgar causas africanas, causas ambientais e causas civis. Ao fim de semana um monte de desporto durante a tarde, que na verdade ninguém que saber, salvo alguns aficionados de uma modalidade específica.
Portanto, há para ver muita coisa, mas, em suma, não é o que as pessoas querem ver. Contudo toda a gente está preocupada com o desaparecimento da RTP 2, porque bem, não vêem mas quem sabe um dia pode apetecer-lhes e irem lá dar um salto, ou porque é mais um canal disponível para o zapping tornando-o mais longo.
Quanto à RTP1 também não compreendo a indignação. Maior parte das pessoas queixam-se dos prejuízos e que é só gente a "mamar" à nossa pala. Pois bem, vai ser concessionada e com isso reduz-se o dinheiro que o contribuinte vai dar para a RTP1, só que também, provavelmente, vão-se acabar aqueles programas de cultura geral após o telejornal, que muita gente gosta de ver e que eu até acho instrutivos, mas que na verdade são obsoletos. Vai-se acabar o Preço Certo e o Fernando Mendes será uma memória perdida no universo televisivo. Provavelmente acabar-se-ão os programas amigáveis dos velhinhos que os ocupam parte da manhã e parte da tarde. Quem sabe acaba-se o Portugal em Directo (antigo Regiões) e as regiões desfavorecidas perdem mais um canal de comunicação com o resto do país. Tudo porque nem sequer se sabe se isso serve o serviço público, pois esse chavão é deixado ao abandono da interpretação individual.
E a interpretação individual em Portugal (e tipicamente portuguesa) é a seguinte.
Quando surgem notícias de prejuízo "é só cabrões a mamar". Quando surge a possibilidade de perderem a estação "Ai Nosso Senhor Jesus Cristo". E ainda nem sequer viram no que se tornará a RTP1.
Em suma. Este assunto é mais um caso em que se mostra a típica mentalidade portuguesa. Deixa andar. Não se olhem aos problemas essenciais da situação que as coisas se resolvem. Mais não seja às três pancadas.
Por outro lado a visão do povo que não quer saber e critica, não sabe bem o quê, mas critica. E depois vem a solução que não gostam ou que não parece bem e ficam perturbados.
A minha opinião é, há muito, a mesma. É estúpido afirmar que é possível garantir um serviço público concessionando o mesmo a um privado. Se os gestores que a RTP teve (que são comuns aos canais privados, diga-se) não fizeram o milagre de pôr a coisa a dar lucro (que nem devia ser o objectivo, mais uma vez) porque é que o haveriam de conseguir fazer agora? A resposta é simples, quem garantir a concessão vai procurar obter retorno do investimento que fez e não vai poder ficar estrangulado por normas vagas para definir os serviços que devem ser prestados. Se assim for, apenas acontecerá que quem o fizer irá fazer um mau investimento e ainda acaba o estado a ter que indemnizar o explorador da concessão, pois não foram concretizados lucros.
Desta forma o espectro televisivo público devia de permanecer sob alçada do estado. Simplesmente estabeleça-se o que é o serviço público televisivo de forma clara. Definam-se os papéis de cada uma das estações (as do sinal aberto e as do cabo) e apliquem-se. E entenda-se de uma vez por todas que a RTP deve funcionar sem se preocupar com lucros preocupando-se apenas com eficiência e qualidade dos seus conteúdos.
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