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Um destes dias surpreendia-me com o facto de José Pedro Vasconcelos apresentar o 5 para a Meia Noite. Ainda gostava de saber como se evolui de Batanete para apresentador de um programa, supostamente, representante da cultura jovem portuguesa que surge por estas alturas.

Quando vi reparei também que o convidado dele ia ser o Ricardo Araújo Pereira, assim sendo e por curiosidade fui ao youtube ver se existia algum snippet da sua aparição. O que encontrei foi isto, publicado pelo próprio programa no Youtube.


Já me ri bastante com o humor dos Gato Fedorento quando era mais novo, diga-se há cerca de cinco ou seis anos atrás e não posso dizer que tenha deixar de encontrar graça em muitas das coisas que eles fizeram, contudo não mais consigo encontrar a frescura e originalidade que tantas vezes lhes é, de forma errada, imputada.

De qualquer das formas, algo mais incrível me saltou à vista no vídeo publicado. Basicamente, este vídeo consiste de várias personalidades que falam de Ricardo Araújo Pereira de forma altamente elogiosa em geral. Então o que é que me saltou à vista?

Aparte dos dois senhores que aparecem no início do vídeo, praticamente todos os outros falam mais de si próprios do que do Ricardo Araújo Pereira.

Mário Soares - "... e além disso, uma pessoa que é amigo de Portugal e sabe o que é ser português." Isto é um texto que me soa recorrente do Mário Soares hoje em dia.

Paula Moura Pinheiro - "... o que ele faz é perturbar tudo o que está instituido, nomeadamente, aquelas verdades indiscutíveis..." e depois procede para falar do aborto e do discurso do Marcelo Rebelo de Sousa, resumindo tudo aquilo que ele possa ter feito (convém não esquecer que os Gato Fedorento não são só o Ricardo Araújo Pereira) a um ponto com o qual, implicitamente, ela está mais de acordo. De cabeça, sem ser fan, lembro-me de meia dúzia de sketchs onde não há verdades indiscutíveis a serem "desmontadas". Ainda diz mais umas parvoíces perdendo todo o capital de simpatia que tinha por ela.

Jerónimo de Sousa - "... ele hoje representa também a capacidade de transformar o humor numa arma carregada de alegria contrariando a ideia do povo fatalista do povo conformado, antes pelo contrário..." "Need we say more?" nas palavras imortais de John Cleese n' O Sentido da Vida. De qualquer das formas discurso à PCP uma coisa qualquer que é afinal uma arma contra a mentalidade insituida do povo fatalista e conformado.

Luís Filipe Vieira - "...Sei que já tens mais alguma experiência que eu, pelo menos já estiveste no Estádio da Luz a jogar (talvez a ver jogar, mas bem) com grandes craques como Rui Costa, Aimar e outros, por isso, é algo que nunca tive essa felicidade..." Ironia em favor próprio.


Obviamente, estas pessoas não estão a falar de si próprios. Estão sim a veicular uma mensagem através de algo que se identificam e não foram objectivas. Supostamente era para falar do Ricardo Araújo Pereira e das suas qualidades. Não para dizer "ah gostei muito de x porque reflecte bastante aquilo que quero dizer" que foi, basicamente o que as pessoas fizeram. 

Mas isto é uma sina que Ricardo Araújo Pereira terá de viver enquanto não se transformar num anónimo. Veja-se, por exemplo, o riso desmedido e completamente artificial do etc Vasconcelos no final do vídeo. É a sina das pessoas acharem o que querem achar e não aquilo devem. É rirem-se o que querem, por pré-definição, em vez de se rirem adequadamente. Eu, por motivos profissionais já "convivi" com o Ricardo Araújo Pereira e, sendo ele uma pessoa bastante bem educada, quem o rodeia não perde oportunidade de se rir excessivamente de pequenas piadas, o que constitui um hábito de pequenez desprezível. Ele, se for tão inteligente como aparenta, sabe e percebe isso. Contudo, se ele for mesmo inteligente também compreenderá o falhanço que o coiso Vasconcelos representa, ainda assim compareceu no programa dele.

Saber e não querer saber

Qualquer pessoa que acompanhasse este blog com relativa regularidade poder-se-á perguntar se os autores do Taste of Orange ainda estão vivos.

A verdade é que estamos, neste caso, estou. A razão de prolongado silêncio tem um motivo, bem válido, que provavelmente se arrastará durante algum tempo.

A convivência humana é um poço infinito de estupidez e palermice. Sempre que me entrego à indulgência de ler, ouvir e até debater invariavelmente deparar-me-ei com essa estupidez, salvo em alguns casos excepcionais em que vale a pena estimular essa convivência, contudo esses casos não são mais que excepções que comprovam a regra.

A minha descrença na humanidade fez com que ao longo dos anos a minha convivência pessoal fosse diminuindo. Estou pouco disponível para conversas e quando estou sou um cavalo sem freio no que às minhas opiniões e inabaláveis convicções diz respeito, o que faz que as outras pessoas fiquem indisponíveis para conversas, pois parece haver muito pouca gente que queira ter uma boa discussão acerca do que quer que seja, limitando-se apenas a dar respostas genéricas como "pois.." ou "sim, realmente..." mas nunca preenchendo as reticências dado que as suas mentes abafadas e bafientas não o permitem.
Vem-me à cabeça um evento em que alguém após uma pergunta acerca da sua opinião sobre certo assunto disse que "as pessoas não simpatizaram muito" nem dando a sua opinião, nem reconhecendo a sua hipocrisia no assunto concreto. Pensar que alguma vez simpatizei com a pessoa em questão cria um coágulo sanguíneo na parte do meu cérebro que avalia a minha própria inteligência, pois simpatizar com tal baixo nível intelectual é chocante.
Ainda assim, este afastamento dessa convivência pessoal não me blinda de ter contacto com palermices. Basta ler uma notícia e ver os comentários da mesma, ouvir outras pessoas a falar, ouvir pessoas a falar no comboio, no trabalho, ler comentários no youtube, ver blogues, observar perfis de facebook etc etc etc.

Lembro-me do jornalista David Walsh, um dos mais persistentes em afirmar que Lance Armstrong usava doping desde a altura da sua primeira vitória no Tour, que sempre que via alguém com a pulseira Livestrong não se conseguia conter em dizer a essa pessoa que ao usar essa pulseira suportava não apenas a luta contra o cancro mas também uma fraude. As pessoas afastavam-se dele após ouvirem as suas teorias, na altura mirabolantes, agora confirmadas com variadas provas.

Eu sou um pouco assim, ou melhor, era. Tenho muita dificuldade em me conter quando ouço/vejo certas estupidezes. Isso era essencialmente aquilo que me motivava mais a escrever no blog, um ventilar do incómodo que me causava o simples facto de certas pessoas simplesmente existirem.

Então, no final de umas saudáveis férias em Julho tomei a decisão de não entrar mais em qualquer rede social, não ler mais os comentários das notícias ou do youtube, usar religiosamente o leitor de MP3 quando vou no comboio e até algumas vezes quando vou a pé para não ter que ouvir as pessoas a falar, basicamente abstraindo-me de ouvir opiniões, excepto aquelas que eu quero ouvir.

Poderão dizer "Ah, mas assim andas apenas a não ouvir e nunca saberás o que se passa à tua volta". Para ter este pensamento é preciso ter já de si uma boa dose de palermice, porque é por saber o que se passa que eu não quero saber mais. Não quero mais ler futilidades em páginas de facebook em que as pessoas cozem a sua vida com linhas de ouro e a sua intelectualidade com linhas de merda resultando num espectáculo macabro de superficialidade. Não quer mais ouvir pessoas a falar do que não sabem, nem quer mais saber daquelas pessoas que usam as opiniões dos outros sem nunca se preocuparem em cimentar a sua própria opinião. Eu sei que isso acontece e não preciso de recalcar isso nem quero.

A necessidade que tenho de contrapor as opiniões absurdas dos outros nunca me causou mal estar. Continuo a ter esse ímpeto quando algo que não posso evitar acontece e tenho de me deparar com essas opiniões, mas pelo menos também sabe bem concentrar-me noutros assuntos. Só tenho pena de não ler muito ultimamente, porque de resto comecei a apreciar coisas que não apreciava dantes e a ter interesse em assuntos que não tinha dantes. E isso é bom e eu sinto-me bem.