No meio da enchurrada de merda que veio dos dois lados da manifestação encontra-se pouca coisa que valha a pena realçar.

Uns levaram na cara, outros deram na cara. Uns insultaram, outros foram insultados. Uns criticaram a polícia por bater em pais com crianças e outros levaram crianças para esse ambiente completamente saudável que é uma manifestação.

E aqueles que falaram muito durante a manifestação, calaram e consentiram quando meia dúzia de orcs decidiu que era fixe atacar a polícia e depois queixaram-se que a polícia devia ter encetado uma perseguição à "Knight Rider" aos desordeiros.

Assim que a violência começou a escalar, com arremesso de objectos às forças de segurança, a manfestação deixou de estar controlada pela multidão pacífica que tem todo o direito a manifestar-se e a opôr-se ao que quer que lhes apeteça, e passou a ser controlada por grupos tudo menos pacíficos. Talvez anarquistas, talvez nacionalistas. Ambos grupos profundamente desprezíveis (os anarquistas e nacionalistas), mas ninguém arredou pé.

Obviamente, as coisas iam acabar dessa forma, porque esses movimentos que agem pela calada devem ser pontualmente reprimidos de forma autoritária. É claro que 99% dos manifestantes não se associam (espero eu) a essas causas, mas como poderia ser feita uma intervenção autoritária sem que se reprimisse toda a gente? Não se podia.

De qualquer das maneiras, a ignorância e irreflexão das pessoas é algo que também já é de esperar. E já era de esperar que muita gente se viesse queixar quando o seu pequeno mundo foi invadido de cenas de pancadaria. Naturalmente, ninguém gosta de levar porrada, mas qualquer pessoa razoável vê que era o que, inevitavelmente, iria acontecer.

Contudo, a mim o que mais me incomoda é algo que tenho lido por aí pela blogosfera e comentários nos jornais online.

Quando as pessoas se estão a queixar que a intervenção policial foi injusta e vêem a sua opinião contraposta, por vezes, saem-se com este lindo "soundbite".

"Nós estávamos a lutar pelos vossos direitos!"

E a questão é a seguinte. Eu não pedi a ninguém para se ir manifestar, aliás, francamente, aquela greve foi uma grande perda de tempo. E mais, nesse dia estava num estado tão febril e gripal que nem as notícias vi direito, quanto mais preocupar-me com a manifestação.

Mas a ideia é esta. Eu não pedi, nem pedirei, nem irei a qualquer tipo de manifestação como aquela que aconteceu. É uma perda de tempo. E é um exercício de demagogia surreal, digna da maior ficção científica. Toda a gente quer mudança, só não sabe para o quê (a não ser que se seja o Manuel Londreira, claro).
O que as pessoas querem é, basicamente, que se rasgue o memorando de entendimento com o FMI e com a UE e tudo será rosas e seda. Nem vou perder tempo a explicar que sairmos da UE seremos um país de terceiro mundo num piscar de olhos etc. Ou que as nossas poupanças se reduzirão em metade, ou que segundo estudos cada português perderia 11 000€ num ano em que se voltasse ao escudo etc etc etc.
Tudo o que implique um afastamento da UE eu sou contra, e como tal, sou, ou melhor, fui contra a manifestação.

Por isso não me venham dizer que lutaram pelos meus direitos. Não façam das vossas palavras de ordem as palavras de ordem de Portugal inteiro. Lutaram pelos vossos direitos e por aquilo que acham justo, mais nada. Se levaram na tromba foi porque estavam a lutar por vós próprios e não por mim. Basicamente, não se armem em mártires.

Eu participaria numa manifestação e até num movimento cívico/partidário onde se denunciassem as ineficiências do estado, entre as quais muitas coisas que os manifestantes em geral criticam acerca dos políticos que gastam muito dinheiro, eu estou de acordo nessa matéria, mas isso não é suficiente. Estaria de acordo em que se revogassem todos os benefícios que um funcionário público tem que um privado não tem (muitos já não gostam desta conversa não é?). Estaria de acordo em que um funcionário público fosse movido para onde o estado precisasse (obviamente com racionalidade, não se ia mandar ninguém do Algarve para Trás-Os-Montes) sem sequer ter possibilidade de apelar em contrário. E se recusasse essa mudança, ia para a rua que é o que acontece em qualquer empresa normal. Numa manifestação dessas eu até estaria. Limitar todas as reformas a 1300€. Ninguém ganha mais do que isso, o resto fica para aumentar as pessoas que ganham 200€ de reforma. E não haveria subsídios de natal e de férias para quem está reformado, nunca. Mas aí há um problema. Muitos reformados foram para a manifestação porque coitados ganham mais que 1500€ e vão perder parte da reforma. Realmente, pobreza.

Já disse aqui noutro post que o problema do estado é o problema do português e o problema do português é o problema do estado. O português endividou-se para comprar casa (normal), carro (supérfluo), férias (supérfluo) e agora não tem dinheiro. O estado endividou-se para compensar os bancos pelos créditos que não conseguem cobrar. E endividou-se para pagar subsídios às pessoas que ficaram sem emprego porque os seus patrões não souberam gerir os seus negócios. E agora pagamos todos. Tal como na manifestação, pagou o justo pelo pecador.

Mas os justos não têm o direito de fazer da sua causa a causa de toda a gente.

Afinal, liberdade. Não é?