Tenho assistido atentamente à preparação de um campeonato. É realmente muito complicado conciliar tudo, desde alimentação a transportes, passando por logística, actualização de informações online etc etc. Na verdade, ao fim de uma semana já está tudo mais ou menos a rolar bem e a funcionar realmente bem. Isto porque nas primeiras noites é directa atrás de directa porque não se consegue atinar, diga-se de passagem, com as coisas. É pena é que o campeonato do mundo em questão só dure uma semana. Quando está lançado acaba. É uma pena. Mas para ser sincero não me importa muito. Aliás, não me importa nada.
And now for something completely different!
Há coisas fabulosas que vão acontecendo ao longo dos tempos. Uma das coisas que mais me fascina são aquelas reuniões fortuitas de pessoas que até se conhecem, mas na verdade nunca imaginaram fazer algo a sério juntos. Como por exemplo, os Led Zeppelin. Quatro tipos, dois deles já se conheciam e os outros dois também já se conheciam mas não conheciam os dois primeiros. Acontece que as pessoas em questão eram, provavelmente, um dos melhores guitarristas de sempre, um dos melhores baixistas de sempre, um dos melhores vocalistas de sempre e um dos melhores bateristas de sempre. Cheios de ideias e deram no que deram, naquela que é provávelmente a banda mais grandiosa de sempre. Isto nos finais de 1960.
Também nos fins de 1960 aconteceu uma coisa semelhante. Mas com estudantes de várias universidades. Nomes: John Cleese, Michael Palin, Graham Chapman, Eric Idle, Terry Jones e Terry Gilliam.
A BBC decidiu juntar este grupo para a realização de um programa que viria a chamar-se “Monty Python's Flying Circus”. Mais tarde os mesmos seis escreveram, realizaram e actuaram em “Holy Grail”, “A Vida de Brian” e “The Meaning Of Life”.
Não me apetece fazer agora uma biogafia deles. Apetece-me sim dizer que acho este grupo de comediantes o mais fabuloso de sempre. Com duas duplas de escritores, John Cleese e Graham Chapman, Michael Palin e Terry Jones. Eric Idle escrevia sozinho e Terry Gilliam fazia animações para o programa.
Da colaboração entre John Cleese e Graham Chapman sairam sketchs em que reinava a a ironia e o rigor. Exemplificando com o sketch Dead Parrot as palavras parecem escohidas ao pormenor. Por exemplo, segundo John Cleese, a espécie do papagaio era 'Norwegian Blue', por expresso pedido de Graham Chapman pois segundo ele isso dava um tom mais frio e mais lúcido a um sketch, já de si, demasiado estúpido para ser verdade. Eric Idle diz que John Cleese é um escritor detalhado. Para ele não bastava dizer “Um Sr. entra e diz Olá”, John Cleese tinha de especificar o aspecto, a roupa, a classe social etc etc etc. As sessões de escrita entre Cleese e Chapman consistiam em John Cleese a atirar ideias e Graham Chapman a riscar ou a aprovar as ideias adicionando aqui e ali alguns toques que intensificavam a cena. Basicamente, John Cleese sentado à mesa a escrever e Graham Chapman sentado a beber whisky e a fumar charutos incessantemente.
Eric Idle escrevia maioritariamente sozinho, não por ser anti social, mas sim por se sentir melhor dessa maneira, embora ele próprio diga que o facto de escrever sozinho provocava muitas vezes dificuldade em fazer passar os seus textos nas reuniões de grupo pois as animações de Terry Gilliam eram garantidas e os restantes escreviam em parelhas, contando desde logo com dois votos a favor, por assim dizer. Contudo, e felizmente, é possível ver o talento de escrita de Idle. Sendo formado em Inglês os textos de Idle frequentemente enveredavam por jogos de palavras. Por exemplo, o sketch do homem que dizia as palavras todas ao contrário, ou então aquele em que num programa se reuniam três homens com um handicap estranho. Um só dizia o início das palavras, outro, só dizia o meio das palavras e o terceiro só dizia o fim das palavras. Fascinante.
Terry Gilliam usava a sua bem típica técnica de animação à base de recortes e com ajuda de algum texto recreava verdadeiras cenas de 'nonsense' a raspar, por vezes, no escandaloso. Na verdade não há muito que se possa dizer, porque o efeito é essencialmente visual e, dessa forma, ver é a melhor opção pois de outra forma é muito difícil explicar as animações. Posso apenas dizer que são fora-de-série.
Esta mescla de ideias trouxe-nos o melhor e mais espectacular produto de comédia de sempre. E de sempre porquê? Porque um campeonato do mundo dá muito trabalho a organizar. Esta é que é a verdade. Também porque é um estrondo estar a ver um programa que aparentemente não faz qualquer sentido, mas que ao mesmo tempo é divertido. Isto é, apesar de ser estupidez só por ser, no fundo há alguma coisa que nos liga a realidade. Por exemplo, no meio dos super homens um reparador de bicicletas é que é o herói, porquê, porque é diferente. Salvar o mundo?! Para quê? Reparar bicicletas é que é heróico. Do mesmo modo que no meio dos betinhos, fumar é que é espectáculo, e no meio daqueles que fumam já não é nada de especial, contudo é muito especial se fumar charros. Da mesma maneira que de nada adianta ter mil ferreiros a fazer um móvel. Um marceneiro no meio deles seria o herói.
Outro sketch, o dos cabeleireiros alpinistas. É fashion ir ao Everest, pois então, vamos e levamos o salão de cabeleireiros atrás de nós, porque está bem que ir ao Everest é giro, agora ir para o meio dos himalaias sem me pentear? Nem pensar!
O skecth do Papagaio Morto é um espelho ideal daquelas pessoas que nos querem enganar com truques baratos. “O papagaio? Morto? Por estar de pernas para o ar não quer dizer que esteja morto, Ele está é a dormir!”
Ou a ironia do sketch “Dirty Fork” em que num restaurante o cliente queixa-se, educadamente e sem estrilho, do garfo sujo e o empregado, gerente e cozinheiro fazem uma cena daquelas por vezes se veem mas protagonizadas pelo cliente. Neste caso eram os próprios funcionários a fazer a cena, pois o cliente até era por demais compreensivo.
Outra coisa fascinante no Flying Circus é, a certa altura, o ritmo que o programa tem, sempre a mudar de cena, para a frente, para trás, ainda mais para trás depois mais para a frente que nunca e sempre a mudar sempre a fazer rir. Até às lágrimas.
Hoje em dia, e desde então, a influência indelével da grande maioria dos humoristas de hoje em dia é Monty Python. Sem dúvida. Portugueses ou estrangeiros. Gato Fedorento recorre hoje em dia o nonsense com sketchs a raspar na colagem de ideias dos Monty Python. A tradução de Flying Circus em Portugal foi “Os Malucos do Circo”. Certamente estarão recordados de um programa que passou até à exaustão na Sic chamada “Os Malucos Do Riso”. Não que se compare a qualidade, mas o nome é colado.
Monty Python abriu um novo horizonte na comédia. Tudo é passível de ser “comediado” ou ridicularizado. Até a Família Real o era, e estamos a falar dos anos 70, não dos dias hoje em que não há respeito. Para além de que os Monty Python não escreviam uma parvoice por ser parvoice ou nonsense. Escreviam sim coisas que tinham lógica. Nota-se que há horas de trabalho gasto naqueles textos e naquelas actuações. Não se tratava de uma pessoa vestida de Bispo Inquisidor a fazer uma voz estúpida. Trata-se de um Bispo Inquisidor, com a voz certa para tornar a cena ridícula mas sem perder a maldade que havia na Inquisição. Há pormenor e detalhe. Há aqueles que para mim são os quatro melhores actores de comédia de sempre Cleese, Chapman, Palin e Idle. Observem algumas das actuações deles. Textos longos e complexos ditos de uma só vez. Actuações desconcertantes como se estivessem a falar da coisa mais séria do mundo.
Tudo é inesperado mas não o é porque sim. É porque há todo um trabalho e toda uma lógica por detrás das coisas. É por isso que Monty Python permanece, e acredito que vai permanecer, como o grupo que abriu todas as portas à comédia de hoje em dia. Convém realçar que não há muitos grupos que se oiçam falar antes dos Monty Python. Houveram sem dúvida sitcoms em que até alguns elementos dos Monty Python participaram, mas a explosão daquilo que em Portugal até se conhece como “Britcom” foi com eles. É desde então que há inúmeras séries telivisivas em todo o mundo a fazer sucesso. “Allo Allo!”, “Blackadder”, “Faulty Towers” (protagonizado por John Cleese) e mais recentemente “O Espectaculo de Catherine Tate”, “The Office”, “Extras” e até “Little Britain”. Foi assim que nasceu o advento daquilo que aqui em Portugal se conhece como “Humor Britânico”. E atenção! Não menosprezo nenhuma das séries que referi. Blackadder III é provavelmente a segunda melhor sitcom que eu já vi. E de Little Britain já falei e aprecio bastante.
Monty Python's Flying Circus viria a acabar consequente da prematura saída de Cleese que argumentou não sentir estar a fazer algo de original e sentir que estava a repetir ideias. Os restantes ainda iniciaram a quarta série em 73 mas viriam a cancelar metade da série de doze. Reuniram-se mais tarde para um espectaculo ao vivo, registado e editado em dvd. E reuniram-se também para a realização dos filmes, sendo que a Vida de Brian permanece, ainda hoje mais de trinta anos mais tarde, como o melhor filme de comédia de sempre. Graham Chapman viria a falecer precocemente em 1989 deitando por terra todos os rumores de reunião do grupo que estava separado desde 1983, altura da realização do filme “The Meaning Of Life”.
Ainda hoje se fala de uma eventual reunião. Eric Idle diz que os Monty Python estão a negociar com o agente de Chapman, São Pedro, para ver se é possível a reunião.
Eric Idle que de resto é o dinamizador principal da informação sobre os Monty Python, bem como as reedições do material existente. É também responsavel pelo site oficial do grupo.
Terry Jones realizou alguns filmes menores em Inglaterra e dedicou-se à encenação de peças de teatro.
Terry Gilliam é agora realizador de cinema autor de filmes como “Os Irmãos Grimm”, “Brazil” e “O Imaginário de Doctor Parnassus” que está para estrear em breve.
John Cleese participou em Faulty Towers. Mais recentemente editou um livro sobre vinhos e protagonizou o Dr. Q nos últimos filmes de 007.
Michael Palin viajou por todo o mundo e fez uma série de documentários sobre os sitíos mais fascinantes do planeta. Um dos documentários era centrado em recrear a viagem de Mr. Phylleas Fogg à volta do mundo, do livro “A Volta Ao Mundo em 80 Dias” de Júlio Verne.
Eric Idle, dedicou-se ao cultivar dos Monty Python na geração contemporânea, com as edições dos Personal Bests e a reedição completa de todas as séries de Flying Circus. Escreveu um livro chamado “O Caminho Para Marte” e vive em Los Angeles.
Bem tudo isto para dizer que Monty Python foi, provavelmente, o maior acto de comédia que aconteceu e provavelmente não volta a acontecer. Não quero parecer aqueles que dizem que agora não há nada de jeito. Não sou saudosista até porque quando eu nasci já os Monty Python tinham realizado a sua última obra. Mas acho, e penso que é a verdade, que Monty Python é algo de inigualável.
P.S – Escrevi este artigo com algum nonsense em homenagem aos Monty Python, mas sei bem que não cheguei nem perto de ter um milésimo da piada dos Monty Python.