Acabei há pouco tempo de ver o documentários A Nova Europa de Michael Palin. Previamente já tinha lido o o livro associado ao documentário, livro esse que traz bastante mais informação acerca do assunto. Este livro e documentário são a consequência de uma viagem que Michael Palin fez através dos países emergentes da Europa de Leste que foram afectados pelas Guerras dos Balcãs e pela Cortina de Ferro Comunista.

Uma das coisas que mais me choca é constatar que aqui a uns meros milhares de quilómetros a vida seja tão diferente da nossa.

Por exemplo países como Sérvia, Croácia, Bósnia e todos esses países envolvidos na Guerra dos Balcãs e desmembramento da Jugoslávia, são países com marcas profundas da guerra e que ainda não recuperaram. É difícil de acreditar que já neste milénio esses países viveram guerras e muitas pessoas perderam as suas vidas nessas guerras, aqui bem perto.

Hoje em dia Dubrovnik é um dos pontos de turismo mais procurado na Europa, contudo se desviando um pouco do centro para os subúrbios da cidade ainda é possível ver marcas da guerra em casas destruídas e ruas abandonadas. Parece impensável que aqui perto muita gente tenha visto a sua vida ser destruída por uma guerra. A realidade das guerras é relativamente desconhecida e ignorada pela minha geração e por todas as gerações pós 74. Nunca tivemos de ir para nenhuma guerra e as guerras mais próximas que tivemos foram mesmo estas nos Balcãs nas quais Portugal participou através da integração de soldados portugueses nos contingentes da NATO. Mas a verdade é que essa proximidade não nos faz perceber absolutamente nada do assunto.
É duro ver no documentário como várias cidades com raízes medievais ou até mais antigas, foram destruídas sem qualquer escrúpulo. E o maior problema não são os edifícios. O que é certo é que viviam ali pessoas. Basta imaginar se a nossa querida cidade fosse atacada e tivéssemos de a abandonar com medo. Basta imaginar que um dia poderíamos ir na rua e ser baleados ao calhas só porque estávamos do lado errado da barricada. Basta imaginar que uma simples ida à rua constituía um risco grave para nós e para os nossos. Eu andava confortavelmente a fazer o secundário enquanto essas pessoas vivia num clima de terror.

Eu vivo agora num país em que há linhas de comunicação suficientes, há comida, há divertimento, há paz, há dinheiro e há oportunidades.

Certamente poderiam haver mais linhas de comunicação, mas nos países afectados pelo domínio comunista nem comboios em condições têm. Numa das capitais visitadas nem sequer organização do trânsito tinham. Numa capital. Não era uma cidade perdida no meio de uma montanha. Era como se no Rossio cada um andasse como lhe conviesse por uma estrada bastante esburacada.

Certamente poderíamos ter mais dinheiro e um país mais rico, mas pelo menos a população em geral tem dinheiro para comprar o essencial e ainda fazer uma extravagância ou outra de vez em quando, sendo que muitas pessoas fazem-nas todos os dias. Em alguns países do leste da Europa e ainda é preciso em muitos casos cultivar para viver.

Ainda se sofrem as consequências de um Comunismo destructivo e que distorceu a realidade. Países que receberam de herança grandes edifícios e grandes complexos quer servem para nada. Países que basicamente estão onde nós estávamos no pós 25 de Abril, com a diferença de algumas tecnologias que a custo s vão impondo.

Desde que vi este documentário tive a certeza de que não vivemos num país de terceiro mundo como muita gente diz. Não vivemos numa país pobre como muita gente diz. Após constatar a realidade de outros países europeus só fiquei com a certeza que o nosso país, apesar das dificuldades, está melhor, muito melhor do que os países referidos no livro. Não temos marcas de um passado recente incomensuravelmente hórrivel. Não temos edifícios destruídos pela guerra. Não temos edifícios megalómanos construídos pela sede de poder ditatorial, edifícios esses que de nada servem a não ser lembrar um mau passado. Não temos campos de concentração.

Não nos apercebemos que escapamos, pela nossa localização, a grandes convulsões e horrores. Quantas pessoas na Europa Central não sabem quem são os seus avós, pois os mesmos perderam a vida na 2ª Grande Guerra? Quantas pessoas não tiveram de abandonar o seu lar e a sua cidade, para fugir? Quantas delas conseguiram regressar? E se regressaram, o que encontraram para além de escombros? Quantas pessoas não foram levadas para campos de concentração com pouco mais do que uma esbatida esperança de escapar ao horror? Quando vi as imagens de Auschwitz em que havia uma vitrine gigante de cabelo, outra de malas, outra de sapatos... Tudo aquilo pertencia a pessoas que tinham uma vida, tinham ambições. Pessoas que ainda hoje poderiam estar vivas e serem importantes. Ou então simplesmente pessoas que amanhã iriam comprar algo de completamente desnecessário como um iPad ou uma PS3. Quando penso nisso acho muito triste. E acho que grande parte das pessoas não valoriza aquilo que tem.

A Nova Europa tenta agora unir-se para formar um bloco de países solidários, sem mais guerras entre eles. Mas este continente que foi outrora conhecido como a Velha Europa, faz parte de um, esse sim, Velho Mundo.

Recentemente foi inventado pela polícia indiana uma hipótese de assassinato planeado contra o escritor Salman Rushdie. Rushdie iria estar presente no Festival de Literatura de Jaipur e faria uma conferência. Contudo, e por razões que ainda não compreendi bem, a polícia inventou que três snipers haviam sido contratados e que estes iriam tentar aniquilar Rushdie.

Para além das razões, este tipo de actos nos dias de hoje é completamente hediondo. Como é que é possível condicionar a este ponto a vida de alguém? Rushdie é Anglo Indiano, tem as duas nacionalidades e ele afirma que Bombaim é a sua "cidade mãe".
Convem recordar que este homem esteve 10 anos escondido, por causa da Fatuah sobre ele em consequência dos Versículos Satânicos. Um mero romance em que era contada uma mera estória, foi o suficiente para que alguém tenha decidido que Rushdie devia de morrer. Em consequência, Rushdie perdeu basicamente a sua vida. Não mais pôde fazer o que quis. Conduzir o seu carro, ou estar em sua casa foram regalias que lhe foram retiradas, regalias às quais damos tão pouco valor. Aliás, para nós é um dado adquirido.

Após esses 10 anos Rushdie pode desde 1999 caminhar livremente, mas o alvo não sai das suas costas. Por várias vezes ele próprio fez retweet de mensagens ameaçadoras à sua pessoa. É incrível como é que alguém pode viver nessas condições hoje em dia. E é este o nosso Velho Mundo,.

Poderão dizer que isso é por causa dos extremistas islâmicos. Sim é verdade. Mas não somos nós no nosso dia-a-dias os potenciadores desta realidade?

Acontece por vezes haverem comentários a posts de blogs, em que os bloggers em vez de responderem normalmente pegam antes nesses comentários e distorcem e respondem em tom desdenhoso. E falo de comentários bem estruturados e com a sua lógica, não de comentários de insulto. Não são esses bloggers potenciadores da discriminação, neste caso de um user online?

Não são as pessoas no dia-a-dia potenciadoras desta realidade sempre que avaliam alguém superficialmente e difundem essa avaliação pelos seus amigos, que mais tarde eventualmente discriminarão essa pessoa?

A conclusão a que chego é que este Velho Mundo, em que coisas horrivéis acontecem, não é mais que a ampliação da realidade do dia-a-dia. Obviamente não são as pessoas que andam por aí nos blogs ou na rua os culpados. Os culpados são essas pessoas, que poderiam escrever num blog ou andar na rua, mas que têm posições de influência em que as suas estupidezes provocam graves consequências, que me leva a outra pergunta.

São essas pessoas com poder piores que as pessoas com as mesmas atitudes mas sem o mesmo poder?