O processo de privatização da TAP dá muito que falar e que entender.

Por partes.

Primeiro a greve que os funcionários e sindicatos decidiram fazer.

A minha opinião sobre isto é a seguinte. É óbvio que quando se faz uma greve o que se quer é conseguir algum impacto. E não há datas que mais impacto tenham na vida da companhia do que os escolhidos para esta greve. Só que, ao mesmo tempo, é uma greve hipócrita. Porquê?
Porque a greve, supostamente, é para defender os interesses de Portugal e dos portugueses, para manter em mãos estatais uma companhia de bandeira bem sucedida. Contudo, esta greve prejudica essencialmente esses mesmos portugueses. Essencialmente aqueles que estão emigrados e que vêm a Portugal passar o Natal perto das suas famílias. No outro dia, um comentador (Octávio Teixeira) qualquer de meia tigela, mais um, disse que não há mal, porque quem quiser viajar pode fazê-lo no dia 26. Este comentador é de meia tigela porque só uma pessoa ignorante pode acreditar que as 130 000 (informação constante no site TAP, que agora já não está por causa da requisição civil reservas previstas para esses dias poderiam ser enfiados num dia só. Enfim. Mas vamos supor que só metade diriam respeito a emigrantes. Continuaria a ser praticamente impossível enfiar nesse dia à martelada 75 000 passageiros.
Resumindo, a greve é para defender os interesses dos portugueses, mas prejudica os portugueses.

Agora, aos motivos da greve.

Eu tenho a dizer que nada vejo de mal com a privatização. Acho que a TAP é neste momento uma companhia de bandeira e que representa Portugal e garante ligações a pontos fulcrais do mundo de língua portuguesa. Graças a esta contingência (países de língua portuguesa) a TAP tem condições para no futuro se tornar uma companhia de classe mundial.
O governo diz que não pode investir na TAP, Bruxelas diz que é uma matéria delicada mas não é impossível. A questão prende-se que num mundo que corre à velocidade da luz, é fazível, para a TAP, ter de respeitar os prazos definidos pelo lento Estado Português? É concebível ter de esperar meses para poder recrutar funcionários? Não, não é!
"Mas a TAP só dá prejuízo por causa do negócio no Brasil! De outra forma seria rentável e não teria de ser recapitalizada". Isso é por um lado verdade, mas uma empresa como a TAP precisa de investimento e não de viver de lucros, que, por muito bom que seja o desempenho, são variáveis. Basta haver uma crise qualquer e lá se vão os lucros.
Provas de que a TAP precisa de investimento estão naquele período em que muitos voos foram cancelados, alegadamente por causa dos aviões que tinham sido encomendados e chegaram atrasados. Toda a gente criticou e "ai meu deus, este é estado em que está a TAP, sempre atrasada etc etc". Mas agora não interessa, preferimos os voos cancelados e os atrasos sistemáticos.

Outro ponto é a questão das ligações a pontos estratégicos para Portugal.
Primeiro ponto, o caderno de encargos para a privatização (que ainda não saiu) deverá contemplar esse ponto. Se não contemplar, aí sim estamos perante uma parvoíce.

Segundo, mesmo que o caderno de encargos não o contemple, alguém acredita que a TAP em mãos privadas irá desistir de fazer essas ligações aos PALOP que são rentáveis? Podem não haver tantos voos, mas continuarão a existir na certa. Como continuarão a existir voos para qualquer lugar para onde haja procura. É a lei do mercado, que é mais fielmente seguida por privados do que por empresas estatais.

Finalmente, e isto é algo que ninguém fala, mas vamos ver a situação de outras companhias de bandeira com interesses semelhantes aos nossos.

- British Airways - Inglês é a língua mais falada do planeta (em termos de nativos a terceira mais falada). Existe portanto uma necessidade premente de satisfazer esses destinos, assim como, para a TAP, existe a necessidade de viajar para os PALOP. A British Airways é privada desde 1987. Hoje em dia é parte da Iternational Airlines Group que resultou da fusão da British Airways  com a Iberia (companhia de bandeira de Espanha)

- Air France - Francês é outra língua relevante em termos de falantes a nível mundial. Há muitos destinos em África que interessam por antigas ligações colonialistas e questões de língua (tal como Inglaterra e Portugal) e como tal deve servir esses destinos. Esta companhia foi sendo privatizada sendo que França deixou de ter o controlo maioritário da companhia quando foi fundida com a KLM em 2004. Actualmente o governo francês tem 15.9% da companhia resultante da fusão a Air France-KLM. KLM e Air France continuam a voar com as suas distintivas marcas e são também das maiores companhias aéreas da Europa, sendo que a Air France é a que tem a maior quota do mercado europeu.

- Lufthansa - Alemão não é uma língua tão relevante como inglês e francês (ou até mesmo português) mas é a língua do mais país mais forte da Europa, economicamente falando, e, portanto, é também relevante analisar. Esta companhia foi privatizada em 1994 e hoje em dia o Estado Alemão nem uma acção da companhia tem.

Estas três companhias aéreas estão as três no top 10 das maiores da Europa e são, sem dúvida, empresas prestigiadas em todo o mundo. Todas privadas. Não pode a TAP, privatizada, aspirar a ser uma das maiores também? Pode, mas como estatal dificilmente lá chegará.