É verdade, hoje vou fazer uma ode sarcástica aos Deolinda.

E porquê? Porque me apetece.

Recentemente os Deolinda apareceram etiquetados como uma banda fora do normal e com alguns contornos de "música de intervenção". Principalmente por causa desta canção que o Nuno Markl publicitou na rádio na sequência de uma petição criada na internet para que esta música se tornasse hino nacional

Passo a citar a letra

"Agora sim, damos a volta a isto!

Agora sim, há pernas para andar!
Agora sim, eu sinto o optimismo!
Vamos em frente, ninguém nos vai parar!

-Agora não, que é hora do almoço...
-Agora não, que é hora do jantar...
-Agora não, que eu acho que não posso...
-Amanhã vou trabalhar...


Agora sim, temos a força toda!
Agora sim, há fé neste querer!
Agora sim, só vejo gente boa!
Vamos em frente e havemos de vencer!


-Agora não, que me dói a barriga...
-Agora não, dizem que vai chover...
-Agora não, que joga o Benfica...
e eu tenho mais que fazer...
Agora sim, cantamos com vontade!
Agora sim, eu sinto a união!
Agora sim, já ouço a liberdade!
Vamos em frente, e é esta a direcção!
-Agora não, que falta um impresso...
-Agora não, que o meu pai não quer...
-Agora não, que há engarrafamentos...
-Vão sem mim, que eu vou lá ter..."

Pois então, agora a mais recente intervenção dos Deolinda consta da seguinte letra.

"Sou da geração sem remuneração

E não me incomoda esta condição
Que parva que eu sou
Porque isto está mal e vai continuar
Já é uma sorte eu poder estagiar
Que parva que eu sou
E fico a pensar
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar

Sou da geração "casinha dos pais"
Se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou
Filhos, maridos, estou sempre a adiar
E ainda me falta o carro pagar
Que parva que eu sou
E fico a pensar
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar
Sou da geração "vou queixar-me pra quê?"
Há alguém bem pior do que eu na TV
Que parva que eu sou
Sou da geração "eu já não posso mais!"
Que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou
E fico a pensar,
Que mundo tão parvo
Onde para ser escravo é preciso estudar"

Pois bem, eu sei que a maior parte das pessoas acha que os Deolinda são o futuro da música portuguesa porque juntam fado com (super) pop e com (fairy) mais não sei o quê. Tanto quanto em dá a entender, para o bem e para o mal, não passa de um estilo de música bastante derivado do fado, com pouquíssimos toques de outro estilo qualquer. Isto quanto às músicas que já ouvi, que são as que passam na rádio, dado que eu, sem pôr em causa a qualidade ou falta dela, não gosto da música deles. E normalmente não faria um post apenas para dizer que não gosto.

O que eu não gosto menos é que se diga que o Movimento Perpétuo Associativo (MPA) seja uma música de intervenção que retrata o português e que depois o Que Parva Que Eu Sou (QPQES) seja também uma música de intervenção que choca de frente com o MPA.

Pois bem, que mundo tão parvo onde para ser escravo é preciso estudar. O problema, é que a maior parte das pessoas vai para universidade fazer festa e por consequência tira uma licenciatura. É comum ver pessoas que queriam ir para coisas relacionadas com medicina, do género fisioterapia ou enfermagem, acabarem a estudar em cursos de línguas, porque bem, chegam aos 18 anos e não sabem bem o que querem e então é o que tem a média mais baixa. E por aí adiante. Podia entrar numa epopeia de disparates que a maior parte dos estudantes universitários faz.

Seguindo a minha linha de pensamento. Estas pessoas que andaram na universidade levianamente, mais tarde vão arranjar um emprego, ou pelo menos vão procurar. E alguns, vão arranjar um emprego num snack bar, ou num restaurante, ou a repôr as estantes de um hipermercado ou a vender de porta em porta, até que a oportunidade certa apareça para mudarem.

Outros, ficam por casa dos pais, à espera de que o emprego ideal lhes caia do céu. Não querem nada, a não ser aquilo para que foram formados. De preferência esperam que outros encontrem o emprego e avisem. É como se tivessem olheiros. Deve ser muito giro.

Por fim, há aqueles que têm sorte e lá arranjam um bom emprego, através de uma oportunidade realmente boa, ou então de uma cunha qualquer.

Obviamente de cada um dos três casos que enunciei poderão vir a sair grandes trabalhadores. Aplicados e interessados no seu trabalho. Mas a verdade é que praticamente todas as pessoas que eu conheço e que trabalham têm a filosofia de que quanto menos, melhor. São os do MPA que saíram do QPQES porque estão sempre a queixar-se que ganham pouco, mas também nunca fazem nada para melhorar.

Nunca se viu ninguém chegar a lado nenhum sem muito trabalho. Seja licenciado ou alguém com a 4ª classe. A verdade é que a licenciatura não nos garante nada. Pessoas com grandes médias são grandes fracassos a trabalhar e grandes trabalhadores foram estudantes que tiveram dificuldades na escola. Quando se chega ao mercado de trabalho, o trabalho é que prova a qualidade e, infelizmente, por enquanto nós portugueses somos maioritariamente o MPA e a QPQES juntos. O que é uma grande incongruência.

Aqui é que me irrita a intervenção dos Deolinda, porque como é possível ser sarcástico com a atitude no MPA e depois defender os coitadinhos que estudaram e agora têm de trabalhar na QPQES? É o que mais me irrita nas pessoas que nasceram nas décadas de 70 e 80. É que eu vejo a maior parte (e chamo a atenção que obviamente não são TODOS, mas sim uma franja que é maior do que aquilo que devia) e coitadinhos, estudaram tanto na Licenciatura de Turismo e agora sentem-se ultrajados por serem Agentes de Viagens, porque o curso deles é para administrativo, não para fazer o trabalho sujo de ir levar cartas aos correios ou de tratar de assuntos no banco. São o MPA que apesar de terem uma atitude reprovável são defendidos na QPQES.

Basicamente é que as pessoas que supostamente se encaixam no perfil de coitadinhos da QPQES apresentam as suas queixas e justificações para serem o Movimento Perpétuo Associativo.

E agora toda a gente vê e diz "Sim Senhor, que verdades bem ditas" ou "É difícil executar qualquer projecto de vida porque é tudo muito caro", apesar de na QPQES a personagem ter um carro a pagar, que maior parte dos portugueses não precisa.

Daí que se isto é intervenção, é uma intervenção forçada e que choca com outra intervenção. O que não faz sentido.