Por estes dias vive-se na Europa uma crise relativamente aos refugiados que chegam até nós.

O que me leva a escrever é este vídeo.
Podem ver o mesmo vídeo com legendas em português aqui.

Neste vídeo é feita uma exposição acerca dos refugiados, indicando que os mesmos não são refugiados, mas sim apenas pessoas à procura de uma vida melhor e que virão perturbar a Europa secular, pois não estão habituados aos nossos costumes e forma de estar.

Antes de me dedicar ao vídeo quero dizer que eu próprio fico um pouco apreensivo. É claro que é sempre uma alteração grande ter de receber um grande fluxo de pessoas que vêm com a mente formada e, certamente, terão dificuldades de integração em alguns casos. É natural. Faz parte da condição humana temer que as suas vidas venham a ser, de alguma forma, afectadas. Eu compreendo isso.
Contudo, é indigno deixar que pessoas morram ao largo da Europa e é indigno tratar essas pessoas como temos visto nos últimos dias, como se de animais se tratasse.

Mas, naturalmente, não há só estas preocupações. Há depois as preocupações nacionalistas que conjuram os mais incríveis argumentos e que não creio que se devam deixar passar. Se lerem os comentários, principalmente o das legendas em português, dos quais destaco um que diz que tudo no vídeo está baseado em factos!

Vamos então ao vídeo.

Começa com "European citizens have spent the last two years voting to reject the failed policies of multiculturalism and mass immigration" continuando depois com um absurdo em que se argumenta que os partidos de esquerda estão dispostos a receber estes refugiados/migrantes porque os mesmos irão votar nos partidos de esquerda no futuro.
Para começar, enquanto esta frase é proferida está acompanhada de uma imagem deste artigo no The Telegraph
O que vem na notícia em nada corrobora a ideia de que nos últimos dois anos se tenha andado a votar contra a imigração em massa. Na verdade a notícia refere-se a uma sondagem que nada tem de oficial ou vinculativa. Aliás, no próprio artigo é colocada em causa a credibilidade da mesma.
Em segundo lugar, é preciso entender a especulação que é dizer que, por terem sido acolhidos, vão votar em partidos de esquerda. Isto não é um facto.

Depois mostra um artigo do Sydney Herald a reportar que muitos paquistaneses estão a deitar fora as suas identificações para se fazerem passar por sírios. Neste caso, cabe à UE tomar medidas para certificar que quem vem está a vir de facto de zonas em que há guerra e risco para a vida humana, sendo assim de facto refugiados. Não quer isto dizer que não se devam aceitar migrantes em busca de uma vida melhor, mas estes devem ser sujeitos a outro controlo, que, acredito, será feito.
Tendo em conta que, segundo as últimas notícias, a Europa irá receber 120 000 refugiados, é bom que, de facto, sejam controlados os que ficam para garantir que quem fica é quem mais precisa. Sendo que falamos de um total de refugiados que, segundo a UNHCR, provem de um número que entre refugiados e pessoas que foram desalojadas ascende a 11 milhões de pessoas (http://www.unhcr.org/pages/49e486a76.html). Obviamente isto não quer dizer que vêm aí onze milhões de pessoas mas quer dizer que é preciso certificar que os 120 000 que vão entrar são refugiados legítimos.

Prossegue com um tweet a dizer que um determinado rapaz que aparece numa foto é africano. Contudo, é preciso ter em conta que entre refugiados e desalojados há 2 milhões de pessoas na Somália e 416 mil da Eritreia. Mais uma vez, é certo que é necessário verificar a legitimidade dos pedidos, mas isso não certifica uma caça às bruxas deste género.

Depois vem a melhor parte. No vídeo diz-se que os sírios não querem ficar em países pacíficos que não lhes atiram dinheiro. Bem, por isso é que é necessário que a Europa se entenda em relação aos refugiados e como é que vão ser distribuídos pela União Europeia. Dessa forma não caberá ao refugiado ficar onde quer mas ficar no sítio que lhe oferecerem.

A melhor parte vem de facto nesta frase "Muitos dos refugiados nem sequer parecem refugiados, de todo. São na maioria homens em idade activa, bem alimentados, não emaciados, não esfomeados. Não estão vestidos com farrapos. Muitos deles até trazem consigo o último modelo do iPhone."
Se não fosse sério dava para rir. Aqui está a primeira pessoa que olha para ti e diz-te se tens fome ou não. Aliás, até diz que estás bem alimentado, sendo que isso deve significar que levas uma dieta saudável. Se calhar. E o bolo em cima da cereja, o último modelo do iPhone.
A foto é esta https://twitter.com/PrisonPlanet/status/640599812317052929/photo/1?ref_src=twsrc^tfw
Há alguém que me consiga garantir que se trata do último modelo do iPhone? É mesmo um iPhone? Não é um Wiko? Este tipo de argumentos é ridículo.

A seguir vem a pergunta. Como é que isto faz lembrar os judeus a fugir do regime Nazi? Não faz. Por isso é que se deve entender que sendo Nova Iorque uma cidade com uma pesada influência de judeus, e sendo o artigo citado no New York Times, contendo testemunhos de judeus a dizer como aquilo os relembrava de Auschwitz, temos de entender o contexto do artigo. Porque para além desse artigo, pouco mais há a não ser spin-offs deste artigo que comparem esta crise de refugiados com a crise de refugiados da 2ª Grande Guerra.

Fala-se então de como é incrível como a Arábia Saudita, o Qatar, Oman, Emirados Árabes Unidose  Koweit, não tenham recebido refugiados. Bem, vamos fazer a pergunta de outra forma. O que diferencia a Europa destes países? Supostamente seria a consciência social, igualdade, fraternidade, etc.

Mas já que se fala disto vamos falar de números. Diz o nosso interlocutor (que se chama Paul Joseph Watson) que a Alemanha sozinha recebe 800 mil refugiados. Esse número fala-se por aí, mas factualmente a Alemanha tinha no final de 2014 cerca de 400 mil refugiados (http://www.unhcr.org/pages/49e48e5f6.html#). Se a UE estabelece que vai receber 120 mil refugiados que serão redistribuidos, é difícil que a Alemanha chegue a esse número. Portanto, não é factual que a Alemanha receba 800 mil. O vice chanceler Sigmar Gabriel disse que a Alemanha poderia receber 500 mil por ano durante vários anos, mas nunca foi dito que ia efectivamente receber esse número.

Mas vamos a outros números mais interessantes. De acordo com a UN Refugee Agency quais são os números de refugiados sírios? No final de 2014 entre refugiados e desalojados o número ascende a 11 milhões (http://www.unhcr.org/pages/49e486a76.html).
E onde estão esses refugiados? 132 mil no Egipto. 249 mil no Iraque. 629 mil na Jordânia. 1 milhão e 100 mil no Líbano. 1 milhão 900 mil na Turquia. Total de 4 milhões de refugiados.  (http://data.unhcr.org/syrianrefugees/regional.php)
E agora pergunto, a Europa "borra-se" por 120 mil refugiados?

Nesta exposição, fala-se também de que o Estado Islâmico ameaçou enviar 500 mil migrantes para a Europa para infiltrar milhares de terroristas na Europa. Mas vejamos a notícia, da qual ele mostra parte.

"Transcripts of telephone intercepts published in Italy claim to provide evidence that ISIS is threatening to send 500,000 migrants simultaneously out to sea in hundreds of boats in a 'psychological weapon' against Europe if there is military intervention against them in Libya."






As transcriçoes escutas publicadas em Itália mas que só um jornal diz ter visto, afirmam ter provas que o EI está a ameaçar etc.

Não creio que seja sério estar já a assustar as pessoas. É claro que no meio de tudo vai haver sempre ovelhas negras. Isso, contudo, continua a não ser razão suficiente para trocar a vida das pessoas que têm morrido ao fazer a travessia pela segurança.
Mais ainda, o Estado Islâmico tem adoptado a estratégia de fighting at the source, privilegiando a guerra nos lugares que lhes interessam ao invés de realizar ataques terroristas, ao estilo da Al-Qaeda, em países estrangeiros. Não quer dizer que não venha a acontecer, mas não me parece muito provável. Vindo da Al-Qaeda faria mais sentido.

Finalmente, vem a questão da diversidade e como estamos a aceitar a entrada de pessoas que são contra a diversidade. Eu creio que este argumento apenas dá força à necessidade de redistribuir os refugiados por vários países. Depositá-los em campos de refugiados nada irá fazer para inserir estas pessoas. Cabe, mais uma vez, à Europa definir estratégias para integração destas pessoas.
Noto, contudo, o sensacionalismo de mostrar homens a segurar uma tarja a dizer "Behead those who insult Islam!". Rotular as pessoas de nada serve. Como mostrar um tipo com uma t-shirt a dizer "Fear for your wife". Já vi piores por cá, deveriam ser essas pessoas expatriadas?
E adoro a frase "They have no concept of western liberal democracy!"

No final o vídeo fala como ninguém aborda a origem desta crise de refugiados. Contudo, se a Europa é retratada como vítima durante todo o vídeo, aqui não é tratada como criminosa como merecia ser pela sua colaboração na deposição de regimes que caindo (ou resistindo como no caso da Síria) provocaram o caos que agora origina este fluxo de pessoas. Como é que é? Western liberal democracy?

Mas bem, quero só finalizar dizendo que nacionalistas vão ser sempre nacionalistas. E acho curioso como se tem de recorrer a estes argumentos manhosos para defender uma ideia sem parecer Neo-Nazi. Simplesmente digam que são nacionalistas. Que acham que o país onde se nasceu é vinculativo do país onde se tem de crescer e que ninguém deve entrar nesse país, pois só merece viver lá quem lá nasceu.

Quanto aos refugiados, são só pessoas. Humanos, como nós. É fácil condená-los mas ninguém quer estar na pele deles. A minha opinião é que se apoie quem precisa e quem não precisa deve ser encaminhado de volta para o seu país. Mas independentemente do destino final, é preciso assegurar, incondicionalmente, a dignidade dessas pessoas.