Após observar algum do trabalho referente aos movimentos artísticos da segunda metade do Séc. XX surgiram-me algumas questões com as quais não deixei de debater na última semana. Acerca das mesmas cheguei a uma conclusão que, basicamente, não é consensual.

Quando me deparo com uma pintura deste género  ver link não posso deixar de questionar o conceito de arte.

Pois então, o meu conceito de arte é muito simples. Não basta eu pintar um quadro para isso ser uma obra de arte. Nem basta a liberdade de o fazer para me considerar um artista.
É minha convicção que arte deve ser provida de sentido. Deve ser algo onde haja uma intenção declarada, ainda que discutível.
Há um conceito segundo o qual a arte deve ser algo que provoque uma reacção. Discordo, porque, basicamente, o mau gosto provoca reacção. É fácil provocar uma reacção através da decadência, por exemplo.

A arte deve ser algo que nos impressione, quer pelo tema, quer pela intenção, mas, também, pela técnica. Portanto se me disserem que Jackson Pollock é um artista eu respondo com "nonsense!".

O interessante neste tema, mais do que debatê-lo, será descobrir o que é que eventualmente mudou. O que é que mudou entre o Séc XIX e o Séc XX que nos deixou passar de uma fase tão espectacular como o Impressionismo para fases tão incipientes como Abstraccionismo e Minimalismo?
Não nos é possível dizer que tudo o que é feito dentro da Arte Moderna e da Arte Contemporânea seja mau, da mesma maneira que não podemos dizer que na Arte Clássica tudo era perfeito. Nada disso. Mas o que é certo é que um quadro só de uma cor ou um quadro com uma barafunda de riscos nunca seriam levados a sério noutros tempos.

A meu ver, isto relaciona-se com os factores de liberdade e aceitação. Na Idade Média pintar um quadro bom não era sinónimo de aceitação. Muitas vezes os próprios artistas não eram aceites devidamente e não passavam de mais um trabalhador pago para fazer um trabalho. Hoje em dia qualquer pessoa pode pintar um quadro. Principalmente se fizer parte de um grupo de amigos relativamente ligados às artes.
É fácil espalhar umas tintas e fazer uma teoria acerca disso e explicar. E depois aquilo é um quadro e não um monte de rabiscos. A liberdade de criação leva obviamente a que apareçam certas obras que, apesar de desprovidas de "sumo" artístico são consideradas obras de arte, se vistas de uma certa perspectiva. Há quem diga que quando fecha os olhos vê exactamente o que Pollock pinta nos seus quadros e, daí, é mesmo arte. Só que o problema é o seguinte, eu posso ver um cagalhão quando fecho os olhos. Isso faz uma foto de um cagalhão uma obra de arte?

Análise da obra de arte moderna é dispersa. Tudo serve de justificação para uma obra de arte. Se eu, eventualmente, fosse um grande artista e fizesse um quadro azul e castanho e dissesse que aquilo era a dicotomia mar/terra, provavelmente, as pessoas considerariam isso uma obra fabulosa. Se eu fosse Pollock e fizesse isso, toda a gente iria babar para cima. Isto é um estigma comum. A sociedade de hoje em dia reverteu o papel do artista e as consequências do seu trabalho. Ao passo que Miguel Ângelo poderia ver as suas obras recusadas por não atingirem os objectivos, as obras do artista contemporâneo não visam objectivos nem propósitos. O conceito de arte está associado o que cada um entende ou quer entender como conceito de arte.


Esta pintura é a Coroação de Napoleão por Jacques Louis-David. Encomendada por Napoleão a obra foi precedida de estudo por parte do pintor e aprovação por parte do Mecenas. É uma pintura grandiosa com quase 10 metros de largura. Aqui poderíamos traçar uma diferença importante entre antigamente e agora. Napoleão esquartejaria a sangue frio Jacques Louis-David se ele apresentasse isto: ver link
Mesmo que ele inventasse a mais fantástica teoria acerca do assunto.

Estou longe de afirmar que as pinturas dos movimentos artísticos anteriores ao Séc XX eram melhores por via da obrigação do pintor em seguir um caminho. Mas, por exemplo nesta pintura de Jacques Louis-David, é possível sentir a vontade de criar algo de imponente e poderoso replicando a imponência e grandiosidade do momento retratado.

Nas pinturas de Monet é possível sentir que o pintor está apenas a recriar algo de bonito como valia para ser representado numa pintura e reparem que é um pintor fora dos cânones clássicos. Mas há uma intenção de perpetuar a beleza de algo.


Da mesma maneira que se observarmos um quadro de Van Gogh podemos sentir um pouco os desvarios do pintor. Ver por exemplo Starry Night. É uma pintura que apesar de não ser tecnicamente convencional, emana algo de magnético que nos atrai para observar e tentar perceber o que se passa e o que se passou com o pintor.

O que passou a ser diferente entre antes e agora é provavelmente a aceitação e a liberdade de mostrar o que quer que seja.
Obviamente, em tempos antigos, muitos dos quadros que hoje em dia existem como obras de valor seriam nada mais do que material para acender fogueiras. Porque à face da sociedade não representavam aquilo que se queria ver. As pessoas gostavam era de ver grandes edifícios com proporções megalómanas. Hoje em dia não passa pela cabeça de ninguém construir edifícios da bitola do Mosteiro da Batalha por exemplo. Não faria sentido e seria considerado uma megalomania por uns e uma atitude antiquada por outros. Da mesma maneira que é complicado ver a arte voltar aos preceitos Clássicos presentes no Classicismo, Renascimento e Neo-Classicismo.

Essa impossibilidade de regressar a movimentos passados não é nada de grave. Mas é preciso encontrar um ponto em que se separe o trigo do joio. A proliferação de edifícios cúbicos, por exemplo, sem qualquer instinto estético ou coadunação paisagística não é boa. Ainda que em termos práticos seja mais lógico fazê-lo assim. Essa proliferação leva a um caminho de uniformização que é prejudicial. Daqui a pouco temos todos casas iguais e indistintas.

O advento da liberdade leva e excessos. Tão simples como observar países, após as revoluções, em descontrolo total durante anos governos a cair sucessivamente, povo sem saber o que pensar etc.
Na arte contemporânea penso que se passa o mesmo. É o advento da liberdade. Onde tudo é permitido. É possível urinar para cima de uma tela e expor (é um direito associado à liberdade). A sociedade de hoje em dia, ainda não está formatada (estará algum dia?) para que cada individuo pense por si próprio. Há sempre uma tendência definida por alguém (um alguém qualquer) que leva multidões a ver o que se passa.

Acredito que daqui a uns anos haverá uma filtragem daquilo que vale a pena ou não. Talvez quando aparecer alguém com um quadro azul marinho e disser que aquilo é uma homenagem a Moby Dick misturando o azul do mar com a brancura da baleia. Toda a gente ficará surpreendida e maravilhada e no fim ele dirá que quem pintou aquilo foi um trolha qualquer e que na verdade até acha bastante básico e toda a gente ficará a pensar na sua estupidez por ter simplesmente acreditado e apreciado algo de forma tão irreflectida e desprovida de individualidade. Talvez quando alguém fizer isso as pessoas se apercebam que nem tudo o que vem à rede é peixe. Nem tudo o que está numa tela é arte. Nem tudo o que está num livro é literatura. Nem tudo o que está num disco é música.