Grande parte do movimento artístico português anda de mãos dadas com uma hipocrisia juvenil que mete nojo.

Falo do movimento artístico popularucho que passa na tv e que passa na rádio e que provem das classes mais jovens, que começaram a surgir no fim do milénio passado e início do novo milénio com mais frequência. Artistas que agora, passados estes anos, têm um lugar relevante com programas na tv, na rádio, bandas bem sucedidas e por aí fora.

O movimento artístico português está possuído de uma hipocrisia ridícula que me faz muita confusão. Por exemplo. Lembro-me de ter uma banda pela qual cheguei a dar um concerto. Foi uma festa de um clube e nós apenas tocamos quatro ou cinco músicas e depois entrava a banda principal, que é relativamente desconhecida a nível nacional, mas que bem, era mais conhecida do que a banda de que eu fazia parte.
Pois bem, a hipocrisia passa-se no seguinte. Enquanto a minha banda tocava nervosamente cometendo erros típicos de quem está pela primeira vez em palco. Tocamos uma cover no decurso do pequeno concerto e no final, a banda que ia tocar a seguir cumprimentou-nos e disse que a que tinham mais gostado havia sido a cover. Pois bem, preferia que não me tivessem dito nada porque bem, se não gostaram das nossas músicas e só gostaram da cover por ser sobejamente conhecida então preferia que não me dissessem nada. Porém, imbuído da minha ingenuidade agradeci fiquei encantado com o apoio.
Quando eles estavam a actuar fiquei a ver um pouco e apesar de não gostar da música, aplaudia, para retribuir o incentivo. Bem, consoante o concerto foi avançando comecei a aperceber-me que só os estava a aplaudir porque eles também nos aplaudiram, apesar de eles no fim terem reiterado que só gostaram de uma música. Que nem sequer era minha. O que me fez perceber que era tudo uma grande hipocrisia. Porque bem, se eles não gostaram porque que é que aplaudiram? Porque eles aplaudiram todas as músicas. E eu depois aplaudi, sem gostar. O que em si é uma hipocrisia.

Conclusão. A mim aborrece-me ver o movimento artístico de hoje a ser dominado por essa hipocrisia. Eu aplaudo-te a ti e tu aplaudes-me a mim. Eu elogio-te a ti e tu elogias-me a mim, etc.

Porque eu não ponho em causa o trabalho de ninguém. Toda a gente tem falhas no seu trabalho e por vezes as coisas saem menos bem mas nunca ninguém tem coragem de o dizer. Porquê?

Por exemplo, o José Pedro Gomes é, para mim, um bom actor, nomeadamente em programas como o Herman Enciclopédia, contudo há um livro que ele editou, em conjunto com o Eduardo Madeira, e eu achei o livro muito fraquinho e sem piada nenhuma. Contudo as pessoas que são amigas nunca irão dizer "Pois, aquele livro não correu lá muito bem". Aliás, as próprias editoras não vão impedir o livro de uma figura pública de sair. E depois toda a gente sugere o livro e tudo mais, mas bem, é fraquinho e ninguém tem a sinceridade de o dizer. Talvez porque o José Pedro Gomes noutras alturas os ajudou ou incentivou ou elogiou, com ou sem sinceridade.

Nisto as coisas evoluem e é impossível dissociar aquilo que é realmente bom, daquilo que apenas sobreviveu pelo lado de cima à troca de elogios. Outro exemplo, a Fátima Lopes, apresentadora, era tão generosa a sugerir discos de jazz e música normalmente associada a pessoas de classe mais alta e com escolaridade mais alta, como logo de seguida estava a sugerir Tony Carreira e Quim Barreiros. E tanto do artista jazz como do artista pimba era capaz de dizer que tinha o disco no carro e estava sempre a ouvir. É estranho e é bastante duvidoso.

Eu, pessoalmente, não gosto quando as pessoas referem este ou aquele artista como sendo muito bom, quando também são amigos desse mesmo artista. Normalmente só aceito esse tipo de consideração quando se trata de alguém com quem trabalhamos e tivemos oportunidade de constatar que é realmente bom no que faz. Por exemplo, no outro dia num programa de Tv apanhava-se uma esposa de um humorista conhecido a elogiar um actor com o qual nunca trabalhou mas que, certamente, conhece bem. Eu tenho dificuldades em elogiar os meus amigos ou familiares face a outros. Porque logo à partida não temos capacidade de distanciamento. As pessoas de quem eu gosto, certamente estão altas na minha consideração, o que consequentemente leva a que eu as elogie.

A mim cansa-me ir a blogues de pessoas conhecidas e ver coisas do género "fui ver o concerto dos meus amigos X e foi espectacular". É óbvio que se trata de um blog e cada um escreve lá o que lhe apetecer, mas bem, chega a ser cansativo e dá, bastante, a impressão de que o movimento artístico se cinge a um círculo em que tens de cumprir certas linhas para entrar nele.

Pergunto-me se alguém fizesse uma boa música e após isso o Bruno Nogueira lhe dissesse "Eh pá essa música é muito fixe" ao que a outra pessoa respondia "Obrigado". Eventualmente mais tarde se essa pessoa fosse sincera e não gostasse do Bruno Nogueira enquanto comediante teria de lhe dizer "Olha, não gosto do teu programa" enumerando ou não as razões, e o Bruno Nogueira até poderá ter poder de encaixe para uma crítica sã, mas também poderá sentir-se um bocado ultrajado, do tipo, "Eu elogiei-o e ele vem com aquela conversa?". Não estou a dizer que ele o faça, mas tenho a certeza que muita gente faz. E muita gente dirá, apesar de não gostar dos programas dele "Eh pá, o teu programa é espectacular" e daí será muito mais fácil continuar uma conversa com proveito para os dois, eventualmente elogiando-se mutuamente em situações públicas etc.

Depois isto tudo leva-me a questionar se há realmente sinceridade no meio artístico português quando o Bruno Nogueira convida uma pessoa que escreve coisas como:

"À partida, não tenho nada contra as Gordinhas, mas irrita-me que gozem de um estatuto especial entre os homens. Às Gordinhas tudo é permitido: podem dizer palavrões, falar de sexo à mesa, apanhar grandes bebedeiras e consumir outras substâncias igualmente propícias a estados de euforia, podem inclusive fazer chichi de pernas abertas num beco do Bairro Alto porque como são ‘do grupo’ toda a gente acha muita graça e ninguém condena.



Agora vamos lá ver o que acontece se uma miúda gira faz alguma dessas coisas sem que surja logo um inquisidor de serviço a apontar o dedo para lhe chamar leviana, ordinária, desavergonhada e até mesmo porca. Uma miúda gira não tem direito a esse tipo de comportamentos porque não é one of the guys: é uma mulher e, consequentemente, deve comportar-se como tal. E o que mais me irrita é quando as Gordinhas apontam também elas o dedo às giras, quando estas se comportam de forma semelhante a elas."

Uma pessoa que afirma coisas destas é obviamente leviana nas suas observações e sofre de um distúrbio de superioridade que as faz acharem-se no direito de generalizar uma situação que provavelmente acontecia raramente no tempo dela. Uma pessoa estúpida basicamente. E o que é que uma mulher ridícula destas tem para dizer? O que é que uma mulher ridícula como esta tem para escrever? Como é que é possível considerar-se este tipo de pessoa, para o que quer que seja? É absurdo e asqueroso. Tanto quem escreve como quem compactua com este tipo de comportamento estúpido, sem sequer ter a liberdade de discordar. Vá-se lá saber porquê.

Concluindo. Acho que em Portugal é impossível não se ser mentiroso para se chegar a algum lado. Se não o formos nunca vamos ser realmente bem aceites. Se expressarmos todas as opiniões sinceramente dificilmente se consegue granjear apoios ou simpatias. Resumidamente, é necessário entrar no círculo e viver dele. Se formos a ver, são sempre os mesmos e os que aparecem novos, na maior parte, aparecem por parte dos mesmos e passam a fazer parte do grupo.